Luiz Sérgio: ‘Voto impresso é algo absolutamente desnecessário’

10/05/2021

Analista judiciário do TRE/RN e chefe de cartório afirma que custo para implantação do voto impresso está estimado em R$ 2,5 bilhões. 

Foto: Marcos Garcia/Jornal De Fato
Foto: Marcos Garcia/Jornal De Fato

Por Maricelio Almeida - JORNAL DE FATO

Na última quinta-feira, 7, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em sua tradicional live semanal, afirmou que se não houver voto impresso em 2022 é sinal de que não haverá eleição. A afirmação, em tom de ameaça, repercutiu de imediato. Afinal, há mesmo a necessidade de implantação do voto impresso no Brasil? Qual o custo dessa mudança? O Brasil precisa de pelo menos 600 mil urnas para realização de um pleito. Seriam então 600 mil novas urnas que precisariam ser adquiridas no ano que vem.

"Estimativas apontam que o custo estimado é R$ 2,5 bilhões". A afirmação é do analista judiciário Luiz Sérgio Monte Pires, chefe de cartório da 33ª zona eleitoral do Rio Grande do Norte e entrevistado dessa semana da seção "Cafezinho com César Santos". Na conversa a seguir, Luiz Sérgio declara que é contrário à implantação do voto impresso no país e reafirma a sua total confiança na urna eletrônica, equipamento que completa 25 anos de existência em 2021.

O analista também fala sobre as lições deixadas pelas eleições de 2020, realizadas em plena pandemia do novo coronavírus, revela que ainda há processos para serem julgados em Mossoró, especialmente os relativos a pedidos de cassação e inelegibilidade, e reforça que o atendimento nos cartórios eleitorais da cidade continua ocorrendo de forma 100% virtual. Acompanhe.


O presidente Jair Bolsonaro afirmou na última quinta-feira, 7, que se não houver voto impresso em 2022 é sinal que não haverá eleição. A afirmação soou como ameaça. O senhor integra os quadros da Justiça Eleitoral há anos e acompanha de muito perto as eleições. Esse é um tema que já vem sendo discutido, com mais profundidade, desde 2015, não é verdade?

Primeiramente, é preciso que se diga que o voto impresso já foi, inclusive, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento concluído no ano de 2020. Em 2015, o Congresso Nacional chegou a aprovar na minirreforma naquele ano a implantação desse chamado voto impresso. Na ocasião, a presidente da República vetou essa previsão contida na lei aprovada e em seguida o Congresso Nacional derrubou o veto da presidente, de modo que o voto impresso já valeria para as eleições de 2018. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal, apreciando uma ADI, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, chegou a conceder uma liminar impedindo que o voto impresso fosse implementado naquele ano. Dentre outras razões, se destacou a questão do comprometimento do sigilo do voto, a não manutenção do mesmo padrão de segurança da votação exclusivamente eletrônica e o alto custo envolvido na implementação desse voto, tendo em vista que estaria envolvido por trás um alto custo nessa aquisição dos equipamentos necessários. Para se fazer uma eleição em todo o Brasil, são necessárias cerca de 600 mil urnas, então imagine o custo disso?

Qual seria esse custo, aproximadamente?

Com a compra de 600 mil novas urnas, o custo estimado é R$ 2,5 bilhões. Em 2018, inclusive, o TSE chegou a divulgar o modelo de urna que seria utilizado, chegou a se preparar para cumprir essa determinação aprovada em lei, que, como eu falei, acabou não acontecendo por conta da liminar, e o TSE, até sair essa liminar do Supremo Tribunal Federal, chegou a anunciar que apenas 5% das urnas conteriam esse voto impresso naquele ano. Então, veja aí, do universo de 600 mil urnas, apenas 5% teriam esse dispositivo que iria permitir que a urna imprimisse o voto do eleitor. Em 2020, o Supremo retomou o julgamento e confirmou essa liminar que havia sido dada em 2018, ou seja, o plenário do STF já chancelou a inconstitucionalidade do dispositivo previsto na minirreforma eleitoral de 2015 que previa a impressão do voto do eleitor.

Nesse contexto, como se daria essa impressão do voto?

É preciso deixar claro nesse contexto, do que o que foi aprovado naquele ano não é que o eleitor sairia da sessão eleitoral portando um comprovante de voto, na ocasião o que restou aprovado foi que o eleitor pudesse conferir, ao ser impresso o voto pela impressora da urna, se aquele voto impresso estava de fato conferindo com aquilo que ele depositou na urna. O eleitor então verificaria a confirmação dessa correspondência e concluiria o seu voto na urna de modo que aquela guilhotina existente na traseira da urna ela cortasse o voto e o depositasse no compartimento lacrado, não acessível ao eleitor. Então, foi isso que foi aprovado naquela ocasião e foi isso que o Supremo declarou inconstitucional no julgamento em liminar dado em 2018 e confirmado pelo plenário do julgamento final já no ano de 2020.

O voto impresso é uma necessidade, na visão do senhor?

Em minha opinião, como servidor de carreira da Justiça Eleitoral, eu diria que é algo absolutamente desnecessário. Acredito que a urna eleitoral, a urna eletrônica, que, inclusive este ano completa 25 anos, ela já deu provas de sua confiabilidade ao longo de todo esse período. Não houve até hoje qualquer comprovação de desvirtuamento dos resultados, de corrupção de números. A urna, ao longo desses 25 anos, já provou a sua total confiabilidade. E, enquanto servidor, eu mesmo já tive a oportunidade de presenciar treinamentos, reuniões, informações acerca de como se trata todo esse processo de segurança e posso atestar, dar o meu testemunho, de que a urna é um compartimento totalmente seguro e que o eleitor pode confiar plenamente nos seus resultados.

Após tantos anos acompanhando os processos eleitorais, como o senhor resumiria então a segurança da urna eletrônica? Ela é, de fato, inviolável?

Como já frisei e posso dar o meu testemunho pessoal, a urna representa um dispositivo 100% confiável. Como já disse, ao longo dos seus 25 anos não houve qualquer registro, isso em nível de Brasil, de que pudesse infirmar a confiabilidade que ela se propõe a apresentar. Então, a urna é segura e o eleitor pode tranquilo aguardar o resultado da eleição com base nos números de votos por ela capturados.

A urna representa um dispositivo 100% confiável 

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que a aprovação do voto impresso criará um "desejo imenso de judicialização" do resultado das eleições e promoverá o "caos em um sistema que funciona muitíssimo bem". O senhor concorda com esse ponto de vista?

Concordo integralmente com a opinião do ministro Barroso. De fato, esse voto impresso provocaria uma excessiva judicialização, isso abriria brecha para inúmeros, centenas, eu diria, de pedidos de recontagem de votos dentro de uma zona eleitoral, talvez dentro de uma circunscrição eleitoral, estadual. Então, imagine só numa eleição nacional como a brasileira, o país com essas dimensões continentais, assistir a inúmeros pedidos de recontagem de votos sendo aí protocolizados e ter que acompanhar a submissão de eventuais recontagens de votos. Como falei, é algo que para além de ser desnecessário, já teve até sua inconstitucionalidade reconhecida pelo STF.

Mudando um pouco de assunto. Nós praticamente acabamos de sair de um pleito. Uma eleição que demandou dos servidores da Justiça Eleitoral um esforço ainda maior, diante dos desafios impostos pela pandemia. Quais as lições que ficaram desse processo?

De fato, a eleição de 2020 foi para nós da Justiça Eleitoral bastante atípica. Nós enfrentamos o desafio de realizá-la, prepará-la de modo totalmente virtual, remoto, à distância tanto dos eleitores como dos candidatos. Implantamos aí um atendimento 100% virtual, remoto por meio de canais alternativos como e-mail, WhatsApp, telefone, de modo que o desafio foi imenso, mas foi prontamente superado pela dedicação de toda a equipe, isso eu falo não só em nível local, como em nível de Brasil.

Um trabalho redobrado...

Sem dúvidas. Nós precisamos redobrar nossos esforços. Os mesários, para se ter uma ideia, foram todos capacitados de forma on-line, sequer tiveram oportunidade de fazer um treinamento presencial, manuseando a urna, como nós fazemos todos os anos. As convocações desses mesários foram todas feitas através de mecanismos digitais, como cartas enviadas pelo WhatsApp, ou por e-mail, então foi uma eleição que deixou uma lição, de como, de fato, os meios tecnológicos podem ajudar sempre que são invocados diante de uma situação atípica e contingencial, como foi o enfrentamento dessa pandemia em pleno período eleitoral. Deixou essa lição, de como essas ferramentas eletrônicas, digitais, podem ser úteis no combate à proliferação do vírus causador da pandemia.

Todas as etapas do pleito foram cumpridas de forma satisfatória? Todos os processos já foram julgados?

Bom, nós concluímos todas as etapas administrativas referentes à eleição, que vão desde as convenções partidárias, passando pelo registro de candidaturas, pela campanha eleitoral, pelo dia da votação e chegando até a diplomação. Todas as etapas administrativas foram concluídas com êxito, não tivemos aí o registro de qualquer percalço e estamos ainda nos debruçando sobre alguns processos que deram entrada aqui durante o processo eleitoral; não é algo tão simples, são demandas que necessitam ser bem instruídas para receberem o devido julgamento. Há processos ainda pendentes de julgamentos, sobretudo aqueles que envolvem os pedidos de cassação. Todos os processos que pediam a aplicação de multas eleitorais, esses já foram julgados, muitos inclusive até em nível de segunda instância, com decisões já transitadas em julgado, mas aqueles que envolvem cassação de mandatos e declarações de inelegibilidade demandam maior tempo, necessitam de uma maior instrução e acredito aí que ao longo dos próximos meses nós teremos o desfecho desses processos.

Estamos a pouco mais de um ano do início de uma nova campanha eleitoral. Como se desenvolve o trabalho da Justiça Eleitoral nesse período que antecede o pleito?

Na verdade, nós estamos ainda bem mais tentando concluir esses processos referentes às eleições de 2020 do que propriamente já preparando a eleição de 2022. É importante ressaltar que o preparo da eleição de 2022 claro que se inicia junto ao eleitor. É o eleitor que é atendido aqui diariamente, solicitando sua inscrição eleitoral, os novos alistamentos, transferência de domicílio eleitoral, mudança de sessões eleitorais. Então, a cada atendimento que é implementado, não deixa de ser uma preparação para a eleição do ano vindouro, só que a nossa ênfase maior agora no momento é tentar concluir com êxito os trabalhos processuais relativos ao pleito de 2020, que para nós ainda não acabou. Estamos tendo ainda que terminar, concluir essa parte processual, essa parte judicial dos feitos que aqui deram entrada durante a campanha eleitoral de 2020.

O pleito de 2020 para nós ainda não acabou 

Há algum prazo que já está em vigor, seja para eleitores, seja para eventuais candidatos?

Não, no momento eu diria que não há nenhum prazo relevante, tanto para o eleitor como para os potenciais candidatos do pleito do próximo ano. Os eleitores têm aí ainda um ano para requererem transferência, mudança de sessão, prazo que só se encerra em maio do ano em que ocorrem as eleições. Nós temos ainda um ano de atendimento normal fluindo junto ao eleitor. E para o candidato, os prazos mais importantes, de filiação partidária e de domicilio eleitoral, só se vencem com seis meses antes da eleição. Não há agora nenhum prazo específico, tendo em vista que este ano, em que não ocorrem eleições, não houve aquela campanha que tradicionalmente ocorre nesses anos, que é aquela que visa evitar o cancelamento de títulos de eleitores daquelas pessoas que não foram votar nas três últimas eleições de forma consecutiva, uma campanha, vamos chamar assim, que sempre ocorre em anos ímpares, mas que este ano não foi sequer implementada, foi suspensa devido à questão da pandemia.

Para finalizar, falando ainda em eleitor, como está hoje o atendimento na Justiça Eleitoral em Mossoró? Que serviços são disponibilizados? E de que forma (presencial ou remoto)?

O nosso atendimento continua ocorrendo 100% de forma virtual. Estamos trabalhando dessa forma já há mais de um ano, tem sido implementado com sucesso, temos conseguido atender todos os eleitores, sejam interessados em alistamentos, transferências de domicílio eleitoral, mudança de sessões, correções no cadastro eleitoral, como também aquele que é filiado a partido político, os órgãos diretivos de partido político, os advogados nos feitos judiciais, todo nosso atendimento vem se dando de forma virtual. O eleitor tem a sua disposição a ferramenta do Título NET disponível no site do TSE, por meio da qual ele pode encaminhar requerimentos desses serviços principais: alistamento, mudança de sessão, transferência de domicílio eleitoral, e os advogados e partidos políticos sempre têm entrado em contato através de e-mails e do WhatsApp funcional aqui do dos cartórios eleitorais de Mossoró. Nosso atendimento ainda perdura de forma totalmente remota, virtual, utilizando aí os mecanismos eletrônicos.