"Rádio é um aprendizado diário": relembre trajetória de Emery Costa

01/05/2020

Jornalista foi entrevistado pelo Jornal O Mossoroense em setembro de 2013, quando completava 50 anos de atuação na Rádio Rural de Mossoró.

Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

O editor deste BLOG teve a honra de entrevistar Emery Jussier Costa no final de setembro de 2013, quando o jornalista, falecido nesta sexta-feira, 1º de maio, completava 50 anos de atuação na Rádio Rural de Mossoró.

Emery, discreto, reservado, se mostrou reticente em conceder a entrevista, em princípio, mas acabou cedendo aos apelos da direção do Jornal O Mossoroense e aceitou contar um pouco da sua brilhante trajetória. A entrevista, que você confere abaixo na íntegra, foi publicada originalmente em 29 de setembro de 2013. "Lá se vão" quase sete anos...

CONFIRA:

Antes mesmo de o dia clarear, Emery Jussier Costa já está de frente ao computador iniciando sua rotina de trabalho. Às 6h50, o radialista com mais tempo no ar no Rio Grande do Norte, expõe o seu ponto de vista a respeito de temas diversos no "Grande Jornal" da Rádio Rural. A opinião de Emery reflete não só a sua visão do acontecimento, mas sim o posicionamento da própria emissora, que o incumbiu dessa tarefa. Nada mais justo para quem ingressou na profissão há 50 anos na própria Rural de Mossoró.

Informado pelo repórter que um imprevisto geraria um pequeno atraso no início da entrevista, prevista para as 9h30, Emery Costa demonstrou certa preocupação com o horário, pois às 11h já deveria estar novamente na Rural para apresentar o programa "Ponto por Ponto". A pontualidade é apenas uma das muitas qualidades que o radialista possui. Na conversa a seguir você confere os demais atributos que fazem de Emery Costa uma referência para a imprensa do Rio Grande do Norte. Acompanhe.

Por Maricelio Almeida

O Mossoroense: Respeitado e admirado pela imprensa potiguar, o senhor completa 50 anos de rádio. Como essa trajetória de sucesso foi iniciada?

Emery Costa: Eu comecei na Rádio Rural no final do mês de setembro de 1963, a rádio havia sido inaugurada em abril do mesmo ano. Era noticiarista, apresentando o programa "Rural Sua Amiga", às 7h. Depois disso fui desenvolvendo atividades na emissora, que tinha na época Padre Américo como diretor, que me deu todas as chances e então passei a fazer experiências em outros departamentos da rádio, progredindo na profissão. Cheguei à rádio através de concurso. A emissora estava prestes a ser iniciada, e fez um concurso para admitir quatro locutores, e eu fiquei em quinto lugar. No mês de setembro, um dos quatro profissionais que tinha sido contratado desistiu e eu entrei. Tinha 17 anos de idade.

OM: Era um desejo do senhor trabalhar em rádio desde a infância?

EC: Meu pai era dono de uma padaria e eu sou o filho mais velho de oito, e minha dizia que ele estava me preparando para eu ser o dono da padaria. Eu dizia a minha mãe que não queria ser dono de padaria, queria ser locutor de rádio, e assim foi.

OM: Que funções o senhor exerceu na Rádio Rural ao longo das últimas décadas?

EC: Me aposentei pela Rural, trabalhei ainda cerca de quatro anos aposentado, e então sai, após exercer o cargo máximo, que é o de diretor, função que exerci durante 10 anos. Há quatro anos retornei a emissora. Fui locutor, redator de notícias, programador de disco, fui gerente e diretor. Hoje apresento o "Ponto por Ponto", das 11h às 11h30, e faço, de segunda a sábado, às 6h50, o "Comentário da Rural".

OM: A história da Rural se confunde com a história do senhor. Quais são os principais fatos históricos, memórias que o senhor guarda desses 50 anos na emissora?

EC: Guardo memórias da convivência com Padre Américo, que me deu todas as oportunidades para que eu fosse um profissional de escol, formado. Conheci muitos amigos, a experiência foi muito boa, convivi com grandes profissionais do rádio. Penso que cumpri a minha missão, estou muito satisfeito.

OM: O senhor citou a conviveu com grandes mestres do radicalismo local. Que nomes o senhor destacaria desse convívio?

EC: Seu Mané, Donato de Castro, que ainda está em atividade na Rural, hoje na parte comercial, mas começou com office boy. Há muitos e muitos outros, é uma trajetória longa. Aprendi muitos com todos eles. Rádio é um aprendizado diário, estou há 50 anos na área, mas todos os dias aprendo alguma coisa, é impressionante.

OM: O senhor acompanhou a evolução do rádio em Mossoró. O que mudou ao longo das últimas décadas?

EC: Eu vejo que mudou e evolui muito, melhorou consideravelmente o padrão de rádio do tempo que entrei para os dias de hoje. A tecnologia ampliou o alcance, há diferenças quilométricas.

OM E quais eram as principais dificuldades em se fazer rádio há 50 anos?

EC: Eu me lembro que para elaborar um noticiário local era fácil, pois as fontes estavam aqui próximas, mas o nacional e internacional era mais difícil, pois não tínhamos condições de acesso a agências de notícias, outras emissoras, então ficávamos ouvindo um som muito precário para captar notícias do Rio de Janeiro, Brasília, era uma dificuldade muito grande, que hoje não existe mais.

OM: Por mais que novos meios de comunicação tenham surgido ao longo dos últimos anos, o rádio continua encantando e alcançando muita gente. Por que, na opinião do senhor, o veículo continue gerando esse fascínio na população?

EC: Eu já ouvi muito falar que o rádio vai acabar, e outros meios de comunicação, como a internet, iriam acabar com o rádio. O rádio é um meio de comunicação fascinante, e acho que ele vai ter uma longa vida, o rádio vai continuar, não tenha dúvidas.

OM: O senhor hoje integra a bancada do "Observador Político", programa de debates que estreou em 1980 na Rádio Tapuyo, e desde 1988 faz parte da programação da 93 FM. Em 2007, o programa passou a ser veiculado pela TV Mossoró. Essa transição causou algum receio no senhor? Houve dificuldades para se adaptar a TV?

EC: Foi difícil. A princípio e até hoje me sinto meio tolhido no meu desempenho na TV, pois sou muito reservado e acho que não era o meu padrão aparecer em vídeo, televisão, mas Laíre (Rosado Filho, diretor presidente da Rede Resistência de Comunicação) fez o convite, que não me convenceu, mas me levou pela amizade, e estou lá. Até hoje sinto dificuldades em enfrentar as câmeras.

OM: Quando se fala em Emery Costa, se fala em referência no jornalismo mossoroense, honestidade. A que o senhor atribuiria esse reconhecimento?

EC: Acho que devido ao próprio tempo que a gente desenvolve essa atividade, 50 anos são 50 dias nem 50 horas. Esse tempo todo dá uma condição de perpetuidade do nome da gente, como profissional. Faz com que a gente ganhe respeito, credibilidade, eu sou muito agradecido a todos. Hoje estou no meu ocaso na vida profissional, e tenho que começar a fazer os devidos agradecimentos.

OM: E a quem o senhor agradeceria?

EC: Ao Padre Américo Simonetti que me deu todas as oportunidades, todas as chances profissionais foi ele quem me deu.

OM: O senhor consegue se manter atualizado com as novas ferramentas de comunicação, como o Facebook, onde o senhor está presente. É uma forma de se manter também informado ou apenas um meio de interação com outras pessoas?

EC: No desempenho do jornalismo, a gente vê que é preciso se atualizar, e eu estou procurando isso. Já estou no Facebook, mas ainda não tenho twitter, por exemplo, mas vou ingressar, porque é uma necessidade da nossa profissão.

OM: O senhor é também um dos jornalistas mais lidos de Mossoró. Como ocorreu esse processo de ingresso no jornalismo impresso?

EC: Entrei no jornal O Mossoroense em 1970, através de um concurso para carrear novos repórteres. Fizeram comigo uma prova para eu escrever uma matéria sobre transporte coletivo em Mossoró. Quem elaborou esse tema foi Danilo Escóssia, filho de Lauro da Escóssia, que é o nome padrão da imprensa de Mossoró. Fiz o material e entrei. Trabalhei em O Mossoroense de 1970 a 1975, e escrevia também uma coluna chamada "Diretas". Quando Dorian Jorge Freire assumiu a gestão do jornal, sai do impresso, voltando em 1987 como diretor, passei dois anos nessa função, deixei a direção, mas continuei escrevendo, e eu estou aqui até hoje, não sei até quando Deus vai me dar a graça de continuar.

OM: E qual a avaliação que o senhor faz da imprensa mossoroense, de forma geral?

EC: A imprensa está muito bem situada na cidade. Temos muitos jornais diários, bons profissionais, de respeito, em todos os veículos. Mossoró descobriu valores impressionantes e se afirmou como uma cidade de imprensa. Temos hoje mais jornais impressos em circulação do que a capital, Natal.

OM: O curso de Comunicação Social da Uern completou 10 anos de existência. Como o senhor avalia a importância de uma graduação para o exercício da profissão?

EC: Deu uma boa contribuição para os meios de comunicação e ainda vai dá. Agora acredito que a pessoa quando tem a tendência, vocação para ser jornalista, repórter de rádio, não tem necessariamente que fazer um curso. A graduação é importante, mas estou há 50 anos na área, e não fiz curso de comunicação, e penso que estou desempenhando a função mais ou menos bem. Fiz ciências econômicas até o quarto período, estava na metade do curso e não sabia economizar nada. Na verdade, achei que o curso não ia me dar sustentação, preferi continuar no jornalismo.

OM: O senhor também enveredou na política, sendo candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada por Lauro da Escóssia Filho, 1972. Foi a única experiência do senhor nessa área. Por quê?

EC: Meu pai que me colocou nesse projeto. Em 1972 a cogitação que se tinha era que Padre Américo, diretor da Rádio Rural, seria o candidato a prefeito contra Dix-huit Rosado, e o Padre relutou e não foi. O pessoal do então MDB então achou que uma pessoa ligada a Padre Américo poderia ser o nome para ir às ruas. Me convidaram, Aluísio Alves foi a minha casa, com Lauro da Escóssia Filho, Leodécio Neo, uma série de lideranças do MDB, me chamaram para compor a chapa na condição de vice-prefeito e eu disse: 'Vocês estão doidos? Me deixem foram disso!". Eles foram buscar meu pai em casa, e ele tentou me convencer, afirmando que eu era um rapaz de origem humilde e que eu deveria aproveitar a oportunidade, acabei aceitando. Fomos candidatos, perdemos a eleição, mas de uma maneira muito bonita. Nossa campanha foi bonita, perdemos por 4.203 votos para Dix-huit Rosado e Canindé Queiroz. Foi uma experiência boa, mas eu encerrei ali, passei uma esponja e continuei no jornalismo e no rádio.

OM: E não pretende voltar a essa área?

EC: De maneira nenhuma. Não me fale nem isso.

OM: São 50 anos de jornalismo. O senhor já pensou em parar de exercer a profissão?

EC: Eu digo muito que, no aspecto profissional, eu sou igual ao saudoso Dix-huit Rosado, quero trabalhar, trabalhar, trabalhar até morrer.